Cantava o finado Bezerra da Silva que Malandro é Malandro, Mané é Mané. A
letra da canção deixa claro quais eram os tipos de comportamentos considerados
como malandragem e manelagem (existe? Claro que não), dessa forma ela está
estanque e restam apenas duas alternativas: concordar ou não que o malandro ali
é realmente malandro e que também o Mané seja realmente um Mané. Se concordar,
a discussão termina e vamos para o anedotário. Se discordar, vamos para a
reflexão e construção de um ideário de quem seriam os verdadeiros Malandros e
quem seriam os verdadeiros Manés.
É
aqui que começa minha história. Um dia alguém, que não me lembro exatamente
quem, me perguntou se eu acreditava no poder das palavras. Respondi, aliás,
como sempre (e enfadonhamente) insisto em responder, que claro que acreditava e
que inclusive conhecia palavras “mágicas”, que são elas: “bom dia”, “boa tarde”,
“boa noite”, “com licença”, “por favor”, “obrigado”, “me desculpe”, “me
perdoe”, “pode falar”, etc. O poder dessa palavras, na minha opinião (que fique
bem claro, pois como diz Humberto Maturana, “tudo o que é dito, é dito por
alguém” e isso é dito por mim), reside no fato de que quando elas são usadas,
podem atrair pessoas para nosso rol de boa convivência. Por outro lado quando
elas não são proclamadas, sua ausência tem poder de afastar pessoas agradáveis.
Claro
que com tudo isso eu estava dizendo (se não consigo ser rápido e rasteiro com
as letras, imagine só com as palavras. Haja prolixidade!) que acredito mesmo é
na boa educação, nos bons modos e no bom caráter.
Porém,
durante essa semana, numa conversa casual com um aluno, o malandro (e esse um
bom malandro, pois é um ótimo aluno) quase derrubou meu castelo de cartas (você
bem sabe que para construir um castelo de cartas é preciso muita concentração e
muitas cartas, mas para destruí-lo, basta uma pequena distração e a retirada de
apenas uma carta). Perguntei ao aluno se a apatia e falta de bons modos de seus
colegas de classe eram comum ou se isso acontecia somente em mina aula. A
resposta dele me chocou. Ele disse: “Sabe o que é? É que você é muito educado,
você não grita, não xinga, não manda ninguém para a diretoria por qualquer
coisa. Com isso a galera acha que pode zoar à vontade, que não pega nada”.
Entrei em choque. E olha que meu irmão me diz que sou mais grosso que lixa 20
(coisas de família).
Meu
pecado? Ser educado.
O
feitiço está virando contra o feiticeiro. Agora quando pronuncio as palavras
“mágicas” atraio a apatia e o tratamento ofensivo.
O
que entendi daquilo tudo foi que se eu quisesse que eles fizessem as atividades
e ouvissem o que eu tinha para dizer, deveria ser mal-educado. Novo provérbio
popular: “Quer ser ouvido? Grite, fale
mal, ordene, expulse do convívio”.
Confesso
que isso me deixou chateado. Mas resolvi olhar ao redor, no dia-a-dia, nas
filas, nos balcões, nos telemarketings.
O
que vi foi o seguinte:
1
– Numa fila de banco (1h e 30min de espera) você não gosta, mas aguarda sua vez
pacientemente e em silêncio. De repente alguém no final da fila começa a gritar
e falar mal. Logo aparece um funcionário que o retira da fila e o leva para ser
atendido em outro local sem fila. Faz isso para que a pessoa saia logo do banco
e não cause tumulto maior. E você? Espere! Quem mandou vir em dia de casa
cheia!
2
– Em uma loja cheia e com fila desorganizada, você espera uma oportunidade para
ser atendido tomando empurrões e cotoveladas. Ninguém lhe dá a mínima atenção.
Alguém que acabou de chegar, grita que aquilo é uma bagunça. Logo aparece
alguém e diz: “Pois não?”. E você? Espere, não está vendo que a loja está uma loucura?
3
– Telemarketing. Você liga para reclamar. Eles não resolvem o problema e o convencem
de que aquilo que você chama de problema é algo perfeitamente normal e que sua
reclamação não procede. Você diz: “Ah! Tá bom.”, eles dizem: “Por favor,
aguarde da linha para responder nossa pesquisa de satisfação. É muito
importante.”. Outro liga (essa confesso que já obrei), xinga até a quarta
geração do(a) atendente, do(a) supervisor(a) e diz a frase que faz tocar a
sirene: “Pode cancelar!”, alguém vem ao telefone e diz: “Vamos reduzir sua
tarifa em 50%”.
Quer
saber de uma coisa? Realmente o feitiço está virando contra o feiticeiro. Hoje
as palavras “mágicas” estão quase perdendo seu encanto por completo. Muitas
vezes o poder que elas têm é de escrever em sua testa, com letras
maiúsculas, a palavra OTÁRIO.
Existem
até palestras de auto-ajuda (ainda vou escrever sobre essa.......................
porcaria) para ensinar que educação é sinal de fraqueza de personalidade.
E
ai? Quem sou eu? Eu não me vejo como Mané.
E
você? Ou um ou outro é. Podes crer que é.
E
a construção? Pô! Constrói, Mané.
Um comentário:
Torno a dizer: Guarde essa crônica. Ficou fora do comum!
Postar um comentário